segunda-feira, 30 de março de 2009

A procuradora e a notinha

A moda agora entre as autoridades do Judiciário e do MP é a de distribuir notinhas à imprensa esclarecendo as razões de suas condutas e decisões, tentando mostrar que estas são sensatas, ponderadas e razoáveis; no entanto, isso mostra justamente o contrário: se juízes e promotores precisam justificar suas decisões à imprensa é porque, sem sombra de dúvida, as mesmas são injustificáveis, para não dizer ilegais tout court.
Além do manifesto aparelhamento ideológico (comuno-marxista) do Judiciário e do MP, vê-se, também, que as ditas autoridades perderam todo o decoro e pudor, transformando a persecução criminal num grande espetáculo circense midiático.
Reinaldo Azevedo faz picadinho da nota da procuradora, drª. Karen Louise Jeanette Kahn, dirigida à imprensa. Segue o texto na íntegra (http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/):

"As coisas realmente estão tomando um rumo detestável. Já nos primeiros dias do site Primeira Leitura, lá se vão longos oito anos, quase nove, alertava para a politização dos entes do estado que deveriam cumprir funções técnicas. Um dia coloco alguns textos daquilo tudo no ar para que nos lembremos de como eram os tempos. Incomodava-me, então, a engrenagem das denúncias que unia oposição (o PT...), imprensa e Ministério Público. Eram elos de uma cadeia que criou o mito do “partido da ética na política” (vocês se lembram dessa expressão), contra “tudo o que está aí” — as demais legendas. Uma das estrelas daquele período era o procurador Luiz Francisco de Souza. Quantas biografias ele ajudou a manchar! Mas não se pode dizer que tenha sido malsucedido como personagem de um enredo.É de estarrecer a falta de decoro e de comedimento de representantes de órgãos públicos ligados à investigação policial e à Justiça. Anos de politização do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal estão prestes a criar um verdadeiro curto-circuito institucional. Há uma guerra de guerrilha em curso em entidades onde a hierarquia e as esferas de competência se diluíram. Juízes já não se contentam em julgar — querem reparar danos ancestrais a cada sentença. Nessas horas, lembro-me sempre do poeta Horácio referindo-se à má poesia: aquela que começa pelas musas! Procuradores estão certos de que, mais importante do que a Justiça pura e simples, é a Justiça social. Delegados não se incomodam em se comportar como maus juízes...Manter a frieza em meio ao tiroteio é tarefa das mais difíceis. Alguém aponta os destrambelhamento do delgado Protógenes, aquele que amanhã estará com Heloísa Helena num comício? Então é da turma de Daniel Dantas, é claro. Alguém apçonta o exagero na sentença que condena uma empresária que sonegou impostos ou no despacho rarefeito de um juiz? Então logo se torna cúmplice de um crime. Uma verdadeira máfia de falsos jornalistas depende hoje, para existir, do esforço contínuo para desmoralizar as instituições. Quem perde? Perdem os brasileiros porque a legalidade sai, obviamente, aviltada. Perdem aos profissionais de conduta reta da Justiça, do MP e da Polícia Federal porque, nesse ambiente crispado, não conseguem encontrar o seu lugar.E quem ganha? Ora, ganha aquele que frauda licitação, que corrompe o Legislativo, que sonega impostos. Porque se beneficia dos erros e destrambelhamentos que se vão cometendo sob o pretexto de fazer justiça. Esses entes do estado se tornaram uma espécie de Oeste a ser conquistado por quem tiver mais bala na agulha e pontaria mais certeira. Duvido que o diretor-geral da Polícia Federal saiba o que acontece na departamento que dirige.Pois bem. A mais recente contribuição a todos os equívocos foi dada pela procuradora da República Karen Louise Jeanette Kahn, que, ontem, decidiu tornar pública uma nota — EM NOME DE TODO O MINISTÉRIO PÚBLICO — em que ataca a decisão da desembargadora Cecília Mello, critica juízes do Supremo e dá alfinetadas até na imprensa. Confesso que me impressiona menos o ato em si do que os termos em que o documento é vazado — às vezes, a lógica naufraga de modo formidável. Se sou advogado dos acusados, anexo de imediato o texto aos autos por razões que vocês verão abaixo. Farei um vemelho-e-azul.Sim, fico um tanto desconsolado. Pela simples e óbvia razão de que a iniciativa da doutora Karen torna mais distante a punição dos eventuais culpados. Ela pode não saber, mas faz exatamente o contrário do que pretende.

*Diante de prejulgamentos que surgem no noticiário da imprensa sobre a Operação Castelo de Areia, o Ministério Público Federal, como órgão responsável pelo acompanhamento das investigações e como fiscal da lei, tem o dever de consignar e comunicar à sociedade o que segue:
Karen fala mesmo em nome de todo o Ministério Público? E a quais prejulgamentos ela se refere? A imprensa só noticiou o despacho do juiz De Sanctis, que era público, e aquilo que o MP e a Justiça vazam. Cadê o “prejulgamento”? Se há prejulgamento, a vítima não é o MP...
1) O conjunto probatório constante dos autos, lamentavelmente, não foi levado, na sua integralidade, ao conhecimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por intermédio da digna Relatora do habeas corpus impetrado, e sob tais circunstâncias, decidiu liminarmente pela liberação dos diretores da Camargo Corrêa ora investigados e indiciados. O mesmo se dá com relação ao Supremo Tribunal Federal, que segundo veicula a imprensa, sem ter tido acesso aos autos, estaria, por meio de alguns de seus ministros, veiculando prejulgamentos contrários à forma de deflagração da operação;
Não entendi. O que Karen chama de “conjunto probatório”? Ela gostaria que a desembargadora passasse mais de um ano analisando documentos, a exemplo do que fez o juiz De Sanctis, que acompanhou o trabalho? Cecília Mello decidiu, como é o correto, a partir do despacho do juiz. Ou habeas corpus seria, com todo respeito, habeas tumulus. O preso, em vez do direito ao corpo (à liberdade), teria apenas direito à campa, tal seria a demora. A crítica é infundada por uma questão de fato, não de gosto. Ademais, se a decisão de De Sanctis, analisada pela desembargadora, não expressava “o conjunto probatório”, isso significa que se decidiu a prisão de pessoas sem um “conjunto probatório” eficiente??? Quanto ao mais, assim como a procuradora não representa o Ministério Público, embora assegure falar em seu nome, ministros sem nome do Supremo não representam o tribunal. A quem ela se refere? Ao presidente, Gilmar Mendes?
2) O MPF, ao formular os pedidos de prisão preventiva e temporária dos investigados, assim como os de busca e apreensão, agiu no exercício de sua estrita responsabilidade legal e social, analisando tanto o conteúdo das provas materiais já constantes dos autos - e que apontam para a efetiva prática de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro - como os pressupostos processuais legais que autorizaram as medidas constritivas adotadas pelo Juízo Federal de primeiro grau, inclusive as ordens de prisão cautelar;
Ninguém questionou a competência do Ministério Público. Nem vou entrar na defesa que a procuradora faz da decisão de De Sanctis porque, embora imprópria e desnecessária numa nota, é o esperado. Incomoda-me, acima, uma palavrinha: “SOCIAL”. O Ministério Público Federal tem responsabilidades LEGAIS. E SÓ ELAS. As suas responsabilidades SOCIAIS estão estabelecidas na lei. Qualquer coisa além disso é política.
3) Em momento nenhum, os pedidos de prisão preventiva e temporária foram utilizados para garantir a conclusão dos interrogatórios dos investigados, nem, tampouco, como antecipação de pena. Tais medidas estiveram estritamente inseridas dentro de um contexto de legalidade, encontrando-se respaldadas, inclusive, por precedentes de Tribunais Superiores - que, em circunstâncias coincidentes, com a participação de pessoas de perfis e condutas semelhantes aos dos investigados, vem, ao contrário do quanto propalado na imprensa, autorizando as prisões preventivas e temporárias nos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro;
Karen reafirma o que já está na lei. É como se a gente fizesse a declaração solene de que a Lei da Gravidade existe. Sim, existe. “Inseridas num contexto de legalidade” parece querer amaciar a seguinte expressão: “As prisões foram legais”. Instâncias superiores, no entanto, consideraram o contrário. Acontece todo dia. E o Tribunal Regional Federal, vejam só, agiu dentro da... legalidade!!!
4) Independentemente da fundamentação que tenha sido utilizada na decisão judicial de primeira instância, que decretou a prisão dos investigados e dos óbices levantados pelos seus advogados, é preciso registrar que a deflagração da Operação Castelo de Areia pela Polícia Federal, com ampla participação e respaldo por parte do Ministério Público Federal, manifestado nos contundentes, mas imprescindíveis pedidos de prisões e buscas cautelares, se constituiu numa ação responsável, pautada pelo direito e pelos critérios processuais e jurisprudenciais que norteiam decisões desse quilate, como se deu em inúmeros casos assemelhados e os quais, não obstante impugnados via recursal, jamais tiveram a sua idoneidade questionada;
A língua aqui se faz um tanto hostil, mas, de novo, há uma resposta para uma acusação que ninguém fez. O que, com efeito, não entendi no trecho acima é o que quer dizer “Independentemente da fundamentação que tenha sido utilizada...” Como assim? A desembargadora só poderia conceder ou não o habeas corpus com base na “fundamentação utilizada na decisão judicial”. Que outro documento seria lícito ela tomar como base? Karen quer perorar “independentemente da fundamentação”, mas critica a decisão de quem só pode fazer a sua escolha “com base na fundamentação”? O Brasil ainda vai morrer de concussão lógica.
5) As buscas e apreensões no âmbito da empresa Camargo Corrêa seguiram os parâmetros legais, inclusive no espaço reservado à prestação de assistência jurídica ao próprio Grupo. Em preceito algum, a Lei 11.767/2008 ressalva os escritórios de advocacia (ou departamentos jurídicos de empresas) como redutos revestidos de inviolabilidade absoluta, justamente para se evitar a blindagem intencional, por parte de pessoas físicas ou jurídicas que possam deles se utilizar para encobrir o possível cometimento de crimes. Os diretores da Camargo Corrêa investigados têm a seu dispor escritório de advocacia instalado no mesmo prédio. Sob tal justificativa, foi convocado representante da OAB ao local para acompanhar a execução das medidas - fato ignorado nas reportagens. Portanto, não pareceu ao MPF como caracterizada, sob nenhum aspecto, muito menos técnico, a ocorrência de qualquer excesso ou mesmo ilegalidade na adoção de tal medida judicial;
***Aqui ela naufraga espertacularmene. Neste item 5, as coisas realmente se complicam, e Karen opta pela linguagem universal da enrolação. A lei 11.767 está aqui. Os escritórios podem ser violados numa única situação, a saber: Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. Diz a procuradora: “Em preceito algum, a Lei 11.767/2008 ressalva os escritórios de advocacia (ou departamentos jurídicos de empresas) como redutos revestidos de inviolabilidade absoluta, justamente para se evitar a blindagem intencional, por parte de pessoas físicas ou jurídicas que possam deles se utilizar para encobrir o possível cometimento de crimes.” Não! Essa não é lei a 11.767/2008. Essa pode ter ser a Lei nº 1 de Karen. Mas ainda não foi aprovada. Fosse como ela diz, tal texto legal nem existiria. E OS ADVOGADOS SÓ ACEITARIAM AS CAUSAS DE QUEM NÃO TIVESSE PROBLEMA COM A JUSTIÇA E COM A POLÍCIA, SE É QUE ME ENTENDEM...Doutora Karen, estavam ou não presentes “os indícios de autoria e materialidade da prática de crimes por parte dos advogados etc?” Não! Então o escritório não poderia ter sido violado. No dia em que puder, acaba o direito de defesa.O agente público pode não gostar da lei e se mobilizar para mudá-la, como qualquer cidadão. Só não pode desrespeitá-la sob o pretexto de fazer justiça.
6) O envolvimento dos investigados com doações a partidos políticos não fundamentou os pedidos de prisão e de busca, baseados, essencialmente, nas já consistentes provas de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro constantes dos autos. Entretanto, a descoberta, nas buscas e apreensões, de eventuais elementos que venham indicar a suposta prática de crimes eleitorais serão, oportunamente e ao final da análise de toda a documentação apreendida, enviadas ao Ministério Público Eleitoral competente;
Bom! Então a lei será cumprida, não?
7) Por esta razão, e em defesa incondicional da legalidade e constitucionalidade que sempre norteou as ações do Ministério Público Federal, manifesto nossa inteira credibilidade na Justiça, em todos os seus níveis - inobstantes questionamentos judiciais manifestados no decorrer das investigações - ações estas que estiveram e continuarão pautadas na sua serena, legítima e independente busca pela verdade real e pelo seu integral compartilhamento com as autoridades responsáveis pela condução e eventual revisão da investigação, com vistas à sua à (SIC) detalhada e suficiente conclusão.São Paulo, 31 de março de 2009 KAREN LOUISE JEANETTE KAHN Procuradora da República
Pois é... Por que a procuradora Karen Louise Jeanette Kahn não deixou, então, que as coisas seguissem seu curso, como ela diz fazer? Ela está certa de que cumpriu o seu papel? Deveria, então, ter deixado a desembargadora Cecília Mello cumprir o dela, não é? Ou agora cabe ao Tribunal Regional Federal e ao STF, criticados por Karen, emitir também suas respectivas notas? Daqui a pouco, questões judiciais no Brasil viram um Big Brother: “Se você quer eliminar a decisão do MP, ligue para X; para eliminar a do TRF, ligue para Y...”Karen não vai concordar, eu sei. Mas fez a sua nota numa má hora. Já há gente demais querendo ser estrela do noticiário, quando deveria estar a exercer um papel apenas técnico, agindo no estrito cumprimento das leis e da Constituição. Espero que essa gente descubra a tempo que todo esse carnaval não serve para prender bandido. Ao contrário: carnavaliza-se o processo judicial e, no fim, só a Justiça dança.

Entrevista.

Karen está hiperativa. Concedeu também uma entrevista ao Estadão. E, lamento dizer, afirmou coisas que, infelizmente, subvertem o estado de direito no Brasil, a saber: “Essa questão de viés político interessa para os alvos. Eu interpreto como uma estratégia para se esquivar da investigação. Quem não deve não teme, é isso. Tem o recibo de doação? Ótimo, então apresenta o recibo. O enfoque nessa questão de suposto envolvimento de partidos políticos em recebimentos ilegais de recursos também pode representar uma tentativa de tirar da primeira instância a competência sobre o caso.” A frase “quem não deve não teme” é propria de ditaduras, onde só quem não deve costuma temer, diga-se de passagem. Isso não existe na democracia, lamento. Ademais, quem enfiou a política na jogada não foram os acusados, certo?, mas os acusadores. Quanto à questão do recibo, o que isso quer dizer? Quem acusa não precisa provar a culpa, e o acusado que prove a inocência? É assim que funciona? Por fim, há a mãe de todos os desatinos: a hipótese conspiratória".

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