quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Nossos adoráveis jovens vândalos

Jovens, adolescentes e crianças, depredando patrimônio público, agredindo professores e funcionários da escola, enfrentando a força policial, em suma, atacando, na sua louca fúria, a tudo e a todos.

O senso comum diria: se esses jovens estão se comportando dessa maneira, não resta outra alternativa senão puni-los severamente, seja com a expulsão da escola – o mínimo – seja até com cadeia.

Mas quem disse que o senso comum prevalece entre as “elites pensantes” brasileiras? A balela de sempre já começou a ser veiculada nos jornais de hoje: os jovens vândalos, ops!, digo, os “jovens educandos” são “vítimas do sistema capitalista opressor”; estão, apenas e tão-somente, manifestando sua “insatisfação com o estado atual de coisas”; estão muito justamente se “rebelando contra a injustiça social, a exclusão social” ou outro social qualquer que o leitor, com imaginação fértil, queira incluir na lista do esquerdismo-coitadista-progressista. Em suma, os culpados pela depredação da escola, pelo ataque aos professores e às autoridades policiais não são os jovens vândalos, leitor, não senhor!; somos nós!, representantes da sociedade má e opressora.

O ocorrido na escola é apenas mais um, mais um dos inúmeros e infindáveis exemplos do verdadeiro desastre que o marxismo cultural está a promover na vida brasileira. Jovens destruindo escolas?!; jovens atacando, com facas e armas de fogo, professores e autoridades policiais?!; isso é sinal, escandaloso sinal, da destruição da idéia de autoridade; a autoridade foi aniquilada no Brasil: o marxismo cultural, o “progressismo iluminado” do beautiful people, da intelligentsia, atacou, com grande sucesso, todas as formas de autoridade social: autoridade da família (pai e mãe), autoridade das leis, autoridade da religião, autoridade da polícia, autoridade dos mestres e professores etc. Não restou, salvo raras exceções, pedra sobre pedra. Exercer autoridade hoje em dia, impor regras mínimas de bom comportamento, decência, convivência e decoro é tachado de “reacionário”, “ditatorial”, “autoritário” etc.

Resultado? Esse aí que vocês estão vendo: baderna, violência e anarquia. Jovens que não se comportam mais como jovens, mas como loucos insanos, violentos e depredadores.

Autoridade, ordem, respeito: estes valores formam a base de qualquer sociedade civilizada; sem eles não há possibilidade de convívio, pois não existe a confiança, a amizade da qual falava Aristóteles; reina, ao contrário, o medo, a suspeita generalizada; a vida social, ao invés de uma benção dos céus, transforma-se num grande inferno.

É urgente restaurar a autoridade no Brasil. O Estatuto da Criança e Adolescente, lei nefasta que contribuiu muito para minar a autoridade da família sobre os filhos, deve ser revisto para que o País possa fazer a distinção fundamental entre jovens e jovens delinqüentes. Delinqüentes não merecem afagos, mas sim o rigor da lei.

Vandalismo e violência na escola

Deu no Estadão (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081113/not_imp276884,0.php):


Alunos brigam, trancam professores e quebram escola na zona leste de SP

Confusão começou com discussão entre duas meninas; em outra oportunidade, teriam tentado pôr fogo no colégio

Maria Rehder

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"Porrada, porrada, porrada." Foi em meio a esses gritos que os alunos da Escola Estadual Amadeu Amaral, no Belém, zona leste de São Paulo, começaram a depredar o colégio, por volta das 9h40 de ontem. Pedras e carteiras foram arremessadas nos vidros, portas arrombadas, tapas e socos fizeram os professores, acuados, se trancarem dentro de uma sala. A "rebelião" só terminou por volta das 12 horas com a entrada da Polícia Militar, acionada por vizinhos e funcionários da unidade. Em meio à correria, adolescentes de 5ª a 8ª séries choravam e gritavam e a diretora da escola desmaiou, segundo testemunhas. U., uma aluna de 15 anos que teria sido pivô da confusão, ficou levemente ferida.

Funcionários da escola apontam a existência de um grupo chamado Primeiro Comando do Amadeu Amaral (PCAA) como responsável pelo tumulto de ontem e de outros ocorridos este ano. André Pimentel, delegado titular do 81ºDP, afirma que a escola apresenta um histórico de brigas e depredações. Um inquérito foi instaurado, mas, segundo o delegado, não há gangues agindo na escola.

A pancadaria de ontem começou quando os alunos rivais descobriram que U., da 8ª série, havia dormido trancada em uma sala de aula desativada no 3º andar. A menina diz que ficou trancada desde as 15h30 de anteontem, com medo de apanhar de J., outra aluna, de 18 anos. "Elas começaram a falar que eu era do Brás, não era dali. J. começou a gritar comigo e aí começaram a falar ?porrada? e ela veio para cima de mim. Com medo, me tranquei e me escondi na sala. Só no dia seguinte, eles (alunos) arrombaram a porta", contou U., ao mostrar os cortes no braço. A mãe da menina afirma que ela estuda há cerca de um mês na escola. "Só sei que ontem a minha filha brigou na escola, apanhou e a direção não avisou."

J. disse que a briga ocorreu por causa do comportamento de U. Ela disse que tentou conversar com a "rival"outras vezes, mas não adiantou. J. a acusou de se "esfregar com os meninos da escola". Segundo ela, o comportamento da colega estava fazendo outras estudantes serem ofendidas na rua. Ontem, disse, U. teria tirado o sutiã na escola para provocar os meninos. J. disse que ficou irritada e pediu que ela parasse com aquilo. A jovem afirmou ainda que U. dormiu na escola com três meninos. "Eu vi que ela não tava na escola e fui procurar na sala. Ela tava lá com mais três meninos da 5ª série. Conversei. Não deu certo, eu bati nela."

Um professor, que pediu para não ser identificado, afirma que desde o início do ano os alunos têm quebrado janelas e até tentaram botar fogo na escola na segunda-feira passada. Só não conseguiram porque a Polícia Militar interveio. "Tem um grupo de 12 líderes. Quando começa a confusão, há vários focos. É difícil saber de onde vem. Já ouvi eles falando que vão colocar a escola no chão. Acho que o problema nem é com os professores, eles se revoltam pela escola ser em período integral." O colégio, inaugurado em 1909, tem 16 salas, 277 alunos e 63 professores.

O mesmo docente afirmou que a escola abriga alunos em liberdade assistida, ou seja, jovens infratores que cumprem medidas socioeducativas fora da Fundação Casa (ex-Febem). O professor diz que amanhã, às 7 horas, os funcionários estarão na escola, mas não querem que os portões sejam abertos até a semana que vem, "para a poeira abaixar". A Secretaria de Educação informou que a escola não reabrirá esta semana para que sejam repostos os móveis e negou que os professores tenham sido acuados ou estejam ameaçados no local.

Mas os docentes da Amadeu Amaral vão reunir-se hoje com a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, para definir que medidas devem ser tomadas contra os alunos que iniciaram o tumulto. Maria Izabel, que chamou a Secretaria Estadual de Educação de omissa, disse que foram os alunos que trancaram os professores. Segundo ela, o quebra-quebra seria uma represália contra as medidas que a escola vem tomando para acabar com o vandalismo no prédio, que é tombado. "Trancaram os professores por rebeldia, para mostrar força. Alguma punição, a escola tem de dar."

Ela conta que ocorrências de depredação acontecem na escola há muito tempo. "Só que os funcionários não registravam ocorrência por terem medo de represálias dos alunos", afirma. No dia 8, de acordo com um BO feito pela direção da escola, o colégio sofreu uma invasão - pessoas entraram pelo telhado, arrombaram a porta da vice-direção e tentaram danificar a fechadura da direção sem sucesso. Vidros, quadros, painéis e até o crucifixo do saguão foram destruídos.

Na segunda, um professor relatou à reportagem que houve tentativa de incêndio da escola por parte dos alunos, o que fez todos serem liberados mais cedo. José Carlos Alves, de 44 anos, pai de uma aluna do ensino médio conta que sua filha chegou a ligar de dentro da sala, pedindo para ele buscá-la. "Ela me ligou desesperada, falando que queriam colocar fogo na escola. Desse jeito não dá mais. E hoje (ontem) soube por um parente que outra confusão acontecia no colégio."

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ainda sobre terroristas, Guantánamo e Estado de Direito

Do blog do Reinaldo Azevedo (em azul) (http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/):

TAL TERROR, QUAL LEGALIDADE?
Recebo um e-mail do poeta, tradutor e jornalista Nelson Ascher, que, creio, vocês também têm o direito de ler. Política internacional é um de seus campos de interesse, e Ascher é uma dessas pessoas que se esforçam para ler tudo. Como isso é impossível, ele está sempre perto do máximo. E é dono de uma qualidade admirável: goste-se ou não do que ele diz, jamais pode ser acusado de ambíguo.No texto, ele aborda questões referentes a Guantánamo e ao terrorismo que merecem ser lidas e sobre as quais devemos refletir. A mensagem é pessoal, mas lhe pedi autorização para publicar no blog.*Reinaldo caro,só acrescento alguns detalhes ao que você já disse.O problema de julgar terroristas nos Estados Unidos não se resume apenas à possibilidade de ter de soltá-los devido a uma "tecnicalidade": certas provas, por exemplo, não poderiam ser usadas para não pôr em risco toda uma operação de contra-espionagem ou a vida de alguém infiltrado num grupo terrorista, digamos. Há também o problema de onde soltá-los. Afinal, quem são eles? Estrangeiros capturados em meio a uma guerra em solo estrangeiro, não necessariamente deles. Pode ser um marroquino, um sírio ou um egípcio que cometeu um atentado na Jordânia, mas foi pego lutando contra americanos ou iraquianos ou afegãos no Iraque ou Afeganistão. Julgá-lo nos EUA? Mas como, se o sujeito não é cidadão americano, não está submetido à legislação comum americana e estava lutando (em nome de quem?, por qual país?, onde?) longe dos EUA?Europeus e ONGs em geral protestariam se um terrorista egípcio que foi capturado no Afeganistão, mas era procurado em seu próprio país, fosse deportado para o Cairo, pois, lá, ele correria o risco de ser torturado e, possivelmente, executado. É por isso que os países europeus — que não deram refúgio às centenas de milhares de tutsis exterminados em Ruanda — dão, sim, asilo aos carrascos hutus que tenham conseguido chegar ao continente e não os devolvem ao país natal para serem julgados. Trocando em miúdos: na Europa, é mais seguro ser um hutu "genocidário" do que uma possível vítima tutsi.Ora, o terrorista não-americano julgado e solto nos EUA seria recompensado não apenas com a liberdade, mas com um dos bens mais cobiçados no mundo: o direito de residir ali. Há pessoas honestas que esperam anos para conseguir um visto, e há pessoas ousadas que arriscam a vida para entrar ilegalmente nos EUA. O melhor método, porém, é viajar para o Afeganistão ou Iraque, matar soldados americanos ou afegãos e/ou iraquianos, ser capturado pelos ianques e solto em Nova York. Este, sim, é que é o prêmio — ou seja, o terror compensa.Agora, quanto às convenções de Genebra, elas, que eu saiba, têm um caráter contratual. Para serem respeitadas, é preciso, em primeiro lugar, que ambos os lados do conflito sejam signatários e, em segundo, que ambos respeitem suas cláusulas. Se a Al Qaeda não é nem signatária da Convenção de Genebra nem trata seus prisioneiros de acordo com o que ela estipula, não há razão para que aqueles que se envolvem num conflito com a organização tratem diferentemente seus membros. A idéia de um contrato assim é, aliás, exatamente esta: os prisioneiros de guerra são reféns de cada lado de um conflito, e, portanto, para que os prisioneiros de um dos partidos sejam bem-tratados, é necessário que este trate bem os do adversário.Durante a Segunda Guerra, os aliados ocidentais e a Alemanha nazista observaram mais ou menos escrupulosamente essa precondições de reciprocidade e, em conseqüência disso, anglo-americanos capturados pelos alemães e vice-versa sobreviveram à conflagração. Tal não sucedeu na frente oriental, de modo que a maior parte dos prisioneiros russos dos alemães e alemães dos russos pereceu — e foram, literalmente, milhões. A questão é: como a Al Qaeda (ou, o que dá na mesma, a tal da pseudo-resistência iraquiana) trata os prisioneiros que faz? Ela os tortura e decapita diante das câmaras e, depois, põe o vídeo para circular, como propaganda de recrutamento, na Internet.O fato é que não há nenhuma lei que obrigue os americanos a tratar terroristas internacionais como prisioneiros normais de guerra ou como criminosos norte-americanos comuns. E, como não existe uma jurisdição universal aceita por todos os países e por todos os grupos irregulares do mundo, a coisa se torna, no mínimo, complexa. Mas, mesmo que os americanos tratassem os membros da Al Qaeda como prisioneiros de guerra, os EUA teriam o direito a mantê-los em cativeiro, para que não voltem ao campo de batalha, até o fim oficial do conflito — quer dizer, até a Al Qaeda ou os EUA se renderem.Por outro lado, os membros de grupos assim podem ser tratados como criminosos de guerra. Se um soldado alemão se infiltrava disfarçado com um uniforme inglês, digamos, ou trajes civis atrás das linhas inimigas, os britânicos tinham o direito de fuzilá-lo como espião ou sabotador. Parece que muita gente ignora o fato de que existem leis e costumes de guerra cuja função, em última instância, é sublinhar claramente a distinção entre combatentes e civis, de modo a proteger, na medida do possível, estes últimos.Terroristas são combatentes que se fazem passar por civis e, para todos os efeitos, escondem-se atrás ou entre estes, levando o conflito para o meio deles. Quando o Hamas dispara mísseis de bairros residenciais, ou o Hizbollah faz o mesmo, são eles que, em condições de normalidade e raciocínio humanista, deveriam ser considerados os responsáveis pelos danos causados aos civis palestinos ou libaneses. Se uma igreja ou mesquita ou hospital é usado por franco-atiradores, esses locais se despem de seus direitos à neutralidade, e o mesmo ocorre com uma ambulância usada para transportar munição.Em resumo, como você diz, os terroristas usam os mecanismos da democracia contra ela. De forma idêntica, usam as leis e normas da guerra que a civilização desenvolveu (para restringir a amplitude dos conflitos e defender civis) seja contra a própria civilização, seja contra qualquer civil. Premiá-los por perpetrarem barbaridades semelhantes é suicida. Mas teremos que amargar, no mínimo, um novo 11 de Setembro revisto e ampliado para nos lembrarmos disso. gds absNelson.

Perfeitas as colocações do Nelson Ascher.

Apenas acrescento que o tratamento deferido pelos EUA aos terroristas é enormemente condescendente. Como o Nelson Ascher esclareceu, os EUA não têm dever jurídico algum para com os terroristas; os EUA não são obrigados a tratar os terroristas como inimgos ou prisioneiros de guerra - seguindo, portanto, as regras do Convenção de Genebra - ou como cidadãos bandidos. Os terroristas capturados estão num estado de total sujeição à discricionariedade do Governo Americano. Este, caso quisesse, poderia sim acabar com Guantánamo: os EUA não têm a obrigação de capturar e prender terrorista algum, muito menos de julgá-lo; os EUA poderiam, pura e simplesmente, fuzilar no campo de batalha os terroristas e ponto final. Nada, simplesmente nada, do ponto de vista jurídico pode ser exigido pelos terroristas contra os EUA.

Isso comprova, como disse, o tratamento absolutamente condescendente que os americanos dão aos terroristas; estes, ao invés de serem sumariamente fuzilados no campo de batalha, são capturados e levados para uma prisão, como se fossem cidadãos comuns americanos; ademais, ainda têm o direito de contestarem seu status num tribunal especialmente criado para tal finalidade, contando, ainda, com a devida assistência jurídica. Isso sem falar que o tratamento que recebem em Guantánamo é muito superior à qualidade de vida antes da captura: os canalhas estão gordos de tanto comer e não fazer nada.

Guantánamo é uma verdadeira benção para os terroristas. Fruto da conscenciosidade, moralidade e honradez dos americanos. Fossem outros os seus captores, os terroristas já teriam partido desta para melhor.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quem deve guardar a Constituição?

O debate entre Carl Schmitt e Hans Kelsen sobre a jurisdição constitucional, ou, para usar a expressão americana, o judicial review, é muito interessante e, apesar da distância no tempo, atualíssimo.

O seguinte trecho da apresentação de “O Guardião da Constituição”, por Gilmar Mendes, é especialmente pertinente: “[s]egundo Schmitt, a criação ou o reconhecimento de um Tribunal Constitucional, por outro lado, transfere poderes de legislação para o Judiciário, politizando-o e desajustando o equilíbrio do sistema constitucional do Estado de Direito”. Dificilmente a constatação de Schmitt pode ser desafiada: não há nada mais certo nos modernos regimes constitucionais do que a desbragada politização do direito – especialmente, mas não exclusivamente, no âmbito dos chamados tribunais constitucionais.

O fenômeno da politização do direito é funesto porque, como o próprio Schmitt mostrou, a política obedece à lógica do amigo-inimigo; na política, na política moderna, não há meio-termo: se você não é meu amigo, meu aliado, só pode ser, então, meu inimigo; é a continuação da guerra por outros meios. Essa lógica, a lógica do amigo-inimigo, é simplesmente desastrosa, como mostrou, da pior maneira possível, o século passado e seu incomensurável legado de destruição de vidas humanas.

Politizar o direito significa, em última instância, inserir a lógica do amigo-inimigo no direito; significa levar o direito para a arena da disputa política, do conflito partidário da hora; para dizer de outro modo, o direito deixa de ser a arte de declarar a justa (proporcional) divisão dos bens e encargos da sociedade entre seus vários membros, e torna-se, da pior maneira possível, um instrumento de guerra política.

A experiência mostra que os tribunais constitucionais, possivelmente sem exceções, são agentes da vida política da sociedade; não são propriamente tribunais de direito e justiça, são tribunais políticos. A história recente da Suprema Corte dos EUA, para citar um exemplo, é notável nesse sentido: a politização da Corte é tamanha que, invariavelmente, o texto da Constituição é utilizado como uma figura de retórica a justificar as preferências políticas, econômicas e sociais dos juízes do momento. Como dizem os americanos, os juízes legislam “from the bench”. Não é nem preciso dizer que o processo de indicação de juízes se perverteu por completo ali: não se busca mais saber se o juiz indicado pelo presidente é capacitado ou não para a função; busca-se saber, isso sim, qual a ideologia do mesmo, ou seja, se ele é “conservative” ou “liberal”.

Em suma, a história, ao contrário do que Gilmar Mendes diz, deu razão, me parece, a Carl Schmitt. A política, em larga medida, contaminou e perverteu o direito; os juízes, especialmente os constitucionais, avançam sem piedade sobre as funções dos poderes políticos (executivo e legislativo), produzindo, ao fim e ao cabo, aquilo que Robert Bork chama de “worldwide rule of judges”. O “governo dos juízes” está aí para quem quiser ver e sentir.

Carl Schmitt e Hans Kelsen: o guardião da Constituição

Do Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br/static/text/71625,1):


Carl Schmitt

O filósofo entre Fausto De Sanctis e Gilmar Mendes

por Daniel Roncaglia

O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, revelou que as divergências com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ultrapassam o campo político e esbarram no filosófico. Em um evento que aconteceu na segunda-feira (10/11), no Rio de Janeiro, Sanctis levantou a platéia ao mostrar sua visão sobre o Direito Constitucional.

Segundo o juiz, “a Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado”.

“A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt”, completou De Sanctis, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, desta terça-feira (11/11).

Carl Schmitt é um filósofo alemão que viveu de 1888 a 1985. Tem na sua biografia uma obra jurídica notável e uma ficha de adesão ao nazismo a partir de 1933. Ele nunca se retratou de sua filiação ao partido de Adolf Hitler.

Uma de suas principais obras é o livro O Guardião da Constituição, publicado em 1929, que agitou o debate jurídico da Alemanha no começo dos anos 30. Em linhas gerais, ele questiona nessa obra o papel do Judiciário como guardião da Constituição. Para ele, somente o presidente do Reich poderia desempenhar essa função, pois o povo é quem o escolhe.

Para Schmitt, o presidente, alicerçado pelo artigo 48 da Constituição de Weimar, representa a unidade da autoridade política que traz consigo os anseios sociais do povo. Schimitt também entende que a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta clara à soberania estatal.

Schmitt diz que a idéia de Constituição não se equipara a um simples conjunto de leis constitucionais. O filósofo afirma que a Constituição é a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência.

O livro de Schmitt foi ampliado em 1931. No mesmo ano, o filósofo austro-americano Hans Kelsen publicou uma reposta com o título Quem deve ser o guardião da Constituição?. Nela, Kelsen destaca a importância de um Tribunal Constitucional para uma democracia moderna. Foi inspirado em Kelsen que a Áustria escreveu a sua Constituição de 1920, que criava uma Corte Constitucional com o poder de fazer o controle concentrado de constitucionalidade.

“Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade?”, questiona Kelsen.

A disputa intelectual dos dois chegou ao Tribunal do Estado no caso Prússia contra Reich. No dia 25 de outubro de 1932, a tese de Schmitt foi a vencedora e o tribunal negou-se o poder para definir os limites de atuação do presidente e do chanceler. Em janeiro de 1933, Adolf Hitler chegou ao cargo de chanceler sem cometer nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Estudioso do processo de controle concentrado de constitucionalidade e com doutorado na Alemanha, o ministro Gilmar Mendes já mostrou publicamente qual é a sua opinião nesse embate entre Kelsen e Schmitt.

Em 2006, ele assinou a apresentação da edição em português da obra mestra de Schmitt O Guardião da Constituição, que foi publicada pela editora Del Rey. Para o ministro, a história deu razão a Kelsen. Depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países democráticos adotou um sistema como o que defende Kelsen.

“A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de uma disputa entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, mostra-se relevante ainda hoje. O debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, atores importantes e, às vezes, decisivos da vida institucional de inúmeros países na atualidade, obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt (e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen) a propósito do tema”, afirma Gilmar Mendes, no texto.

Leia a apresentação do livro O Guardião da Constituição, por Gilmar Mendes

APRESENTAÇÃO

Tenho a honra de apresentar mais uma importante obra da Coleção Del Rey Internacional, desta feita “O Guardião da Constituição” (Der Hüter der Verfassung) , da autoria do eminente pensador alemão, o Prof. Carl Schmitt.

Referido trabalho foi publicado, inicialmente, em 1929, sob o título “Das Reichgerichts als Hüter de Verfassung” . Em 1931, Carl Schmitt publicou versão ampliada daquelas reflexões, denominada “Der Hüter der Verfassung” .

Na referida obra, Schmitt questionava o papel do Judiciário como guardião da Constituição. Schmitt negava ao Judiciário o título de guardião da constituição. Segundo sua concepção, somente o Presidente do Reich teria legitimidade para desempenhar semelhante função.

Hans Kelsen, ainda em 1931, respondeu diretamente ao artigo de Schmitt, ao publicar um ensaio intitulado Quem deve ser o guardião da Constituição? (Wer soll der Hüter der Verfassung sein?)1. Na ocasião, reafirmou a importância de um Tribunal Constitucional para uma democracia moderna, em franca defesa de uma de suas criações, a Corte Constitucional austríaca, instituída em 1920, já destacada na célebre conferência sobre a jurisdição constitucional Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit (Essência e Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional) proferida em Viena, em 1928, perante a Associação dos Professores Alemães de Direito Público (Vereinigung der Deutschen Staats¬rechtslehrer).

Assim se manifestou quanto à proposta de Carl Schmitt de emprestar ao Presidente do Reich a legitimidade para “guardar” a constituição, em detrimento da Corte Constitucional:

“[...] para tornar possível a noção de que justamente o governo – e apenas ele – seria o natural guardião da Constituição, é preciso encobrir o caráter de sua função. Para tanto serve a conhecida doutrina: o monarca é – exclusivamente ou não – uma terceira instância, objetiva, situada acima do antagonismo (instaurado conscientemente pela Constituição) dos dois pólos de poder, e detentor de um poder neutro. Apenas sob esse pressuposto parece justificar-se a tese de que caberia a ele, e apenas a ele, cuidar que o exercício do poder não ultrapasse os limites estabelecidos na Constituição. Trata-se de uma ficção de notável audácia, se pensarmos que no arsenal do constitucionalismo desfila também outra doutrina segunda a qual o monarca seria de fato o único, porque supremo, órgão do exercício do poder estatal, sendo também, particularmente, detentor do poder legislativo: do monarca, não do parlamento, proviria a ordem para a lei, a representação popular apenas participaria da definição do conteúdo da lei. Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade?” 2

E prosseguiu em sua crítica:

“(...) quando na Constituição de Weimar se prevê, ao lado de outras garantias, o presidente do Reich como garante da Constituição, manifesta-se a verdade elementar de que essa garantia só pode representar uma parte das instituições de proteção da Constituição e que seria uma sumária superficialidade esquecer, em função do presidente do Reich atuando como garante da Constituição, os estreitíssimos limites desse tipo de garantia e as muitas outras espécies e métodos de garantia constitucional!” 3

Já a crítica de Schmitt ao positivismo alemão tradicional estava claramente ligada a uma rejeição muito mais ampla do autor em relação a toda uma estrutura estatal que ele fatalmente caracterizava como burguesa. Para um pensador que tinha convicção de que todo o conceito de direito é fundamentalmente político, a pretensa neutralidade do positivismo de Laband e da Teoria Pura de Kelsen não passava de um reflexo disfarçado dos ideais liberais na filosofia política e jurídica, visando garantir a segurança e liberdades burguesas perante o Estado. É principalmente a partir de sua visão antiliberal que Schmitt construirá seu “Der Hüter der Verfassung” (O Guardião da Constituição) .

Segundo Schmitt, a criação ou o reconhecimento de um Tribunal Constitucional, por outro lado, transfere poderes de legislação para o Judiciário, politizando-o e desajustando o equilíbrio do sistema constitucional do Estado de Direito.

A recusa de Schmitt em aceitar um controle concentrado de constitucionalidade encontra sua origem na própria concepção que o autor alemão fazia de Constituição. Para Schmitt, a idéia de Constituição não se equipara a um simples conjunto de leis constitucionais. A Constituição seria, na verdade, a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência.

De acordo com o pensador alemão, o princípio político que guiava a Constituição de Weimar era o princípio da democracia. A democracia de Schmitt, contudo, não se assemelha em nada à democracia kelseniana, que via na maioria um instrumento útil para a realização da idéia básica da democracia: a liberdade. Para Schmitt, só há uma idéia verdadeiramente democrática: a igualdade, que é fundamento de todas as outras igualdades.

No que concerne à jurisdição constitucional, tanto Schmitt como Kelsen atingiam conclusões bem distantes de seus pontos de partida. Enquanto Kelsen, que se reconhecia como herdeiro da tradição labandiana, projetara e desenvolvera um sistema concentrado de controle de constitucionalidade que contrariava frontalmente os princípios do positivismo legal do século XIX, Schmitt, que sempre construía suas obras em contraposição a uma imagem da teoria positivista liberal, acabara por chegar justamente ao posicionamento defendido por Laband cinqüenta anos antes: a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta clara à soberania estatal.

Miguel Herrera bem ilustrou essa dicotomia:

“Refiriéndose a los trabajos de Kelsen de esse período, Schmitt impugna la tesis normativista de la identidad entre orden jurídico y Estado, señalando que el método kelseniano desarrolla la vieja negación liberal del Estado por medio del derecho. Según el jurista alemán, Kelsen funda su teoría del Estado en una crítica del concepto de “sustancia”, que es propio de las ciencias naturales, constituyendo una metafísica monista que expulsa la excepción y lo arbitrario. De acuerdo con Schmitt, por el contrario, la situación excepcional pertenece al derecho, siendo definido el Estado por el monopolio de la decisión. En el caso excepcional “la existencia del Estado conserva la superioridad sobre la validez de la norma jurídica”, es allí donde la decisión se libera de toda obligación formativa y la norma “se reduce a nada” .4

Vencedor do embate judicial realizado no caso “Prússia contra Reich”, Carl Schmitt também ganhara, aparentemente, a disputa intelectual sobre quem realmente deveria ser o guardião da constituição.

Em decisão de 25 de outubro, o Tribunal do Estado negara-se a definir os limites da atuação do Presidente e de seu Chanceler. Ambos ficaram livres, assim, para agirem contra as poucas instituições democráticas de Weimar que ainda desempenhavam algum papel relevante no cenário político alemão de 1932.

A história mostraria, contudo, que a vitória de Schmitt não era definitiva. Três meses após a decisão do caso “Prússia contra Reich”, Hitler chegava ao poder sem romper com nenhum aspecto de legalidade existente à época.

Concretizava-se, em certo sentido, a previsão de Schmitt: o sistema político de Weimar permitiria que seu maior inimigo assumisse o poder e destruísse, de dentro do sistema, todo o regime constitucional de 1919.

A história parecia dar alguma razão a Kelsen!


Na famosa conferência proferida perante a Associação dos Professores Alemães de Direito Público Kelsen deixou claro que a jurisdição constitucional haveria de ter um papel central em um sistema democrático moderno:

"Contra as muitas censuras que se fazem ao sistema democrático  muitas delas corretas e adequadas , não há melhor defesa senão a da instituição de garantias que assegurem a plena legitimidade do exercício das funções do Estado. Na medida em que amplia o processo de democratização, deve-se desenvolver também o sistema de controle. É dessa perspectiva que se deve avaliar aqui a jurisdição constitucional. Se a jurisdição constitucional assegura um processo escorreito de elaboração legislativa, inclusive no que se refere ao conteúdo da lei, então ela desempenha uma importante função na proteção da minoria contra os avanços da maioria, cuja predominância somente há de ser aceita e tolerada se exercida dentro do quadro de legalidade.

A exigência de um quorum qualificado para a mudança da Constituição traduz a idéia de que determinadas questões fundamentais devem ser decididas com a participação da minoria. A maioria simples não tem o direito de impor a sua vontade  pelo menos em algumas questões  à minoria. Nesse ponto, apenas mediante a aprovação de uma lei inconstitucional poderia a maioria afetar os interesses da minoria constitucionalmente protegidos. Por isso, a minoria, qualquer que seja a sua natureza  de classe, de nacionalidade ou de religião  tem um interesse eminente na constitucionalidade da lei.

Isto se aplica, sobretudo, em caso de mudança das relações entre maioria e minoria, se uma eventual maioria passa a ser minoria, mas ainda suficientemente forte para obstar uma decisão qualificada relativa à reforma constitucional. Se se considera que a essência da democracia reside não no império absoluto da minoria, mas exatamente no permanente compromisso entre maioria e minoria dos grupos populares representados no Parlamento, então representa a jurisdição constitucional um instrumento adequado para a concretização dessa idéia. A simples possibilidade de impugnação perante a Corte Constitucional parece configurar instrumento adequado para preservar os interesses da minoria contra lesões, evitando a configuração de uma ditadura da maioria, que, tanto quanto a ditadura da minoria, se revela perigosa para a paz social".5

Tal como anota Pedro de Veja García, a tese de Kelsen se impôs à maioria dos estados democráticos a partir da Segunda Guerra Mundial:

“Bien es verdad que, a partir de la Segunda Guerra Mundial, las tesis de Kelsen se imponen en la praxis constitucional de la mayoría de los estados democráticos con resultados positivos y encomiables. Ahí está el ejemplo de la Corte Constitucional italiana, del Tribunal Constitucional alemán o del todavía reciente Tribunal Constitucional español. Sin embargo, no es menos cierto que las cuestiones sobre la legitimidad, funcionalidad y coherencia de la Justicia Constitucional distan mucho de haber sido definitivamente dilucidadas.” 6

A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de uma disputa entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, mostra-se relevante ainda hoje. O debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, atores importantes e, às vezes, decisivos da vida institucional de inúmeros países na atualidade, obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt (e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen) a propósito do tema.

Como se sabe, tais controvérsias manifestam-se sob formas diversas, referindo-se aos limites da jurisdição constitucional, à jurisdição constitucional e democracia, à jurisdição constitucional e política, à jurisdição constitucional e divisão de poderes, para ficarmos em alguns exemplos que têm ocupado a moderna teoria constitucional.

A atualidade dessa discussão vê-se, v.g., na multicitada obra de Habermas, Faticidade e Validade (Faktizität und Geltung), que dedica um capítulo ao estudo sobre a legitimidade da jurisprudência constitucional, tendo por leitmotiv as reflexões de Schmitt em o “Defensor da Constituição”.

Parecem evidentes, assim, a importância e atualidade da obra que a Editora Del Rey coloca ao alcance dos estudiosos de Direito Público no Brasil.

Professor Gilmar Mendes

Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal

Setembro de 2006

Notas

Em português, o texto dessa apresentação ganhou o nome de “A Jurisdição Constitucional”. Publicada pela Editora Martins Fontes, em fevereiro de 2003, a edição combina oito títulos da autoria de Hans Kelsen, dispostos em ordem cronológica.

2 Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.241-242.

3 Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional, cit., p.287-288.

4 Herrera, Miguel. La polémica Schmitt-Kelsen sobre el guardián de la Constitución. , trabalho publicado na Revista de Estudios Políticos, nº 86, 1994, p.195-227.

5 Kelsen, Hans. Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL 5, 1928, p. 80-81; Cf. também tradução italiana de Geraci, Carmelo. La Garanzia giurisdizionale della Constituzione, in: La giustizia costituzionale, Milão, 1980, p. 144 (201-203).

6 Veja García, Pablo. Prólogo à obra de Schmitt. In: Schmitt, Carl. La defensa de la Constitución.2.ed. Madrid:Tecnos, 1998, p.22-23.

Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2008

Terroristas e cidadãos bandidos

O tema surgiu no blog do Reinaldo Azevedo (http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/). Na minha opinião, colocar em pé de igualdade um terrorista e um serial killer é simplesmente absurdo. São situações completamente diferentes.
O serial killer, por mais nociva e daninha que seja sua conduta, não pretende destruir o seu País; não tem como objetivo atacar diretamente o Estado e o seu regime constitucional. Em suma, o serial killer, apesar de criminoso, continua sendo um cidadão de seu País, gozando, conseqüentemente, de todos os direitos e garantias previstas em lei.
Por outro lado, o terrorista possui como objetivo central a destruição do Estado e de seu regime constitucional – matando no processo, é claro, inúmeras pessoas inocentes. O terrorista pretende aniquilar o País e suas instituições, sua constituição e regime, seu direito e suas leis.
O serial killer é um cidadão criminoso; o terrorista não é um cidadão. Óbvio, portanto, que o terrorista não pode gozar dos mesmos direitos e garantias do serial killer – este último, insisto, é um cidadão apesar de bandido; o primeiro, não é sequer um cidadão.
Tratar de modo idêntico ambas as situações, dando ao terrorista os mesmos direitos e garantias de qualquer cidadão, significa ignorar, na base, a idéia mesma de justiça. Esta, segundo o ensinamento milenar de Aristóteles, opera através da igualdade geométrica, ou seja, da proporcionalidade (
http://www.sacred-texts.com/cla/ari/nico/nico046.htm). A velha frase de Rui Barbosa expressa a idéia com uma concisão lapidar: "[a] regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam".
O serial killer e o terrorista não são iguais, são desiguais: o primeiro comete crimes contra seus concidadãos, sem pretender destruir a sociedade; o segundo, ao revés, tem como objetivo central destruir a sociedade e o Estado, além de extinguir um sem número de vidas inocentes.
É, portanto, sumamente injusto que ambos recebam o mesmo tratamento. O serial killer tem direito a todas as garantias previstas na legislação de seu respectivo País. O terrorista, não. Este, capturado em luta – em qualquer estágio que seja (combate efetivo, conspiração, planejamento de ataque terrorista etc.), fica à mercê do Estado, cabendo à autoridade responsável definir, de maneira discricionária, os direitos e garantias do prisioneiro.
Acresça-se que a Convenção de Genebra é redondamente inaplicável à hipótese do terrorismo. A dita Convenção é um tratado entre Estados, Estados estes que são partes no tratado. O IRA, o ETA, a Al-Quaeda, as FARC, só para citar alguns exemplos, não são partes na Convenção de Genebra, e, por conseguinte, seus membros, caso capturados, não estão sob a proteção das regras ali estabelecidas.
Por fim, diga-se que é pura ignorância, ou má-fé, acusar os EUA por conta de Guantánamo. Nunca, em tempo ou momento algum na história, um País foi tão condescendente com seus inimigos, inimigos tão mortais e virulentos como são os terroristas islâmicos. Uma simples leitura da tormentosa decisão da Suprema Corte daquele País no caso Boumediene/Al-Odah v. Bush (
http://www.scotuswiki.com/index.php?title=Boumediene/Al-Odah_v._Bush) (ficando aí decidido que os terroristas, ou acusados como tal, têm direito, pasmem!, à venerável garantia do habeas corpus) mostra, para qualquer indivíduo dotado de um mínimo de boa-fé e honestidade intelectual, que o tratamento deferido aos terroristas capturados é boníssimo, tendo o prisioneiro uma série de garantias judiciais, inclusive a de contestar, perante um tribunal especial, o status de enemy combatant. Cito um trecho do dissenting opinion do Chief Justice John Roberts no referido caso: “CHIEF JUSTICE ROBERTS, with whom JUSTICE SCALIA, JUSTICE THOMAS, and JUSTICE ALITO join, dissenting. Today the Court strikes down as inadequate the most generous set of procedural protections ever afforded aliens detained by this country as enemy combatants. The political branches crafted these procedures amidst an ongoing military conflict, after much careful investigation and thorough debate. (...) I believe the system the political branches constructed adequately protects any constitutional rights aliens captured abroad and detained as enemy combatants may enjoy. I therefore would dismiss these cases on that ground. With all respect for the contrary views of the majority, I must dissent”. Os terroristas islâmicos, por conseguinte, não estão destituídos de qualquer direito ou garantia jurídica – se bem que poderiam estar, na minha opinião –, pelo contrário: gozam, inclusive, de instrumentos judiciais muito semelhantes àqueles previstos para qualquer cidadão americano. Repito: não há, na história da Humanidade, registro de tratamento tão condescendente como o que os americanos deferem aos terroristas islâmicos.
No mais, as condições da prisão de Guantánamo são excepcionais, estando acima, inclusive, de prisões existentes no território americano – a comparação com presídios brasileiros, então, é inviável: perto de qualquer uma de nossas penitenciárias, Guantánamo é o verdadeiro paraíso na Terra.
O tratamento dado aos terroristas pelos americanos é fundamentalmente justo, pois trata de modo desigual situações desiguais: o terrorista não está no mesmo nível do serial killer. Pensar de outra forma é abdicar do senso das proporções, base mesma da idéia de justiça.