terça-feira, 14 de abril de 2009

O falso amor à justiça

Ainda sobre a brutal desproporcionalidade da pena aplicada, em 1ª instância, à dona da Daslu, Eliana Tranchesi, trecho de recente artigo de Olavo de Carvalho (http://www.olavodecarvalho.org/semana/090409dc.html) que, com a costumeira precisão e clareza, desmascara o falso amor à justiça dos justiceiros comuno-marxistas de plantão (juízes, promotores e outros medalhões jurídicos (sobre medalhões, ver Machado de Assis)):

"Um dos sintomas mais alarmantes dessa patologia é a fúria justiceira com que as autoridades e seus acólitos, os “formadores de opinião”, investem contra delitos menores, sobretudo de ordem financeira, ao mesmo tempo que toleram, como detalhe irrisório, a taxa anual de 50 mil homicídios que faz do Brasil a nação mais cruel e assassina do mundo. Quando um magistrado exclama que 94 anos de cadeia são punição branda para a sonegação fiscal e delitos correlatos, ao mesmo tempo que assassinos em série, seqüestradores e traficantes de drogas são protegidos pela leniência das leis e ainda celebrados como vítimas da sociedade má, está claro que uma nova classe falante subiu ao primeiro plano da cena pública, intoxicada de uma tal dose de rancor invejoso contra a “burguesia”, que não hesita em conceber traficantes multibilionários como pobres vítimas do capitalismo, fazendo deles aliados na epopéia revolucionária da “justiça social” que pretende implantar".


Algo mais a dizer?

segunda-feira, 30 de março de 2009

A procuradora e a notinha

A moda agora entre as autoridades do Judiciário e do MP é a de distribuir notinhas à imprensa esclarecendo as razões de suas condutas e decisões, tentando mostrar que estas são sensatas, ponderadas e razoáveis; no entanto, isso mostra justamente o contrário: se juízes e promotores precisam justificar suas decisões à imprensa é porque, sem sombra de dúvida, as mesmas são injustificáveis, para não dizer ilegais tout court.
Além do manifesto aparelhamento ideológico (comuno-marxista) do Judiciário e do MP, vê-se, também, que as ditas autoridades perderam todo o decoro e pudor, transformando a persecução criminal num grande espetáculo circense midiático.
Reinaldo Azevedo faz picadinho da nota da procuradora, drª. Karen Louise Jeanette Kahn, dirigida à imprensa. Segue o texto na íntegra (http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/):

"As coisas realmente estão tomando um rumo detestável. Já nos primeiros dias do site Primeira Leitura, lá se vão longos oito anos, quase nove, alertava para a politização dos entes do estado que deveriam cumprir funções técnicas. Um dia coloco alguns textos daquilo tudo no ar para que nos lembremos de como eram os tempos. Incomodava-me, então, a engrenagem das denúncias que unia oposição (o PT...), imprensa e Ministério Público. Eram elos de uma cadeia que criou o mito do “partido da ética na política” (vocês se lembram dessa expressão), contra “tudo o que está aí” — as demais legendas. Uma das estrelas daquele período era o procurador Luiz Francisco de Souza. Quantas biografias ele ajudou a manchar! Mas não se pode dizer que tenha sido malsucedido como personagem de um enredo.É de estarrecer a falta de decoro e de comedimento de representantes de órgãos públicos ligados à investigação policial e à Justiça. Anos de politização do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal estão prestes a criar um verdadeiro curto-circuito institucional. Há uma guerra de guerrilha em curso em entidades onde a hierarquia e as esferas de competência se diluíram. Juízes já não se contentam em julgar — querem reparar danos ancestrais a cada sentença. Nessas horas, lembro-me sempre do poeta Horácio referindo-se à má poesia: aquela que começa pelas musas! Procuradores estão certos de que, mais importante do que a Justiça pura e simples, é a Justiça social. Delegados não se incomodam em se comportar como maus juízes...Manter a frieza em meio ao tiroteio é tarefa das mais difíceis. Alguém aponta os destrambelhamento do delgado Protógenes, aquele que amanhã estará com Heloísa Helena num comício? Então é da turma de Daniel Dantas, é claro. Alguém apçonta o exagero na sentença que condena uma empresária que sonegou impostos ou no despacho rarefeito de um juiz? Então logo se torna cúmplice de um crime. Uma verdadeira máfia de falsos jornalistas depende hoje, para existir, do esforço contínuo para desmoralizar as instituições. Quem perde? Perdem os brasileiros porque a legalidade sai, obviamente, aviltada. Perdem aos profissionais de conduta reta da Justiça, do MP e da Polícia Federal porque, nesse ambiente crispado, não conseguem encontrar o seu lugar.E quem ganha? Ora, ganha aquele que frauda licitação, que corrompe o Legislativo, que sonega impostos. Porque se beneficia dos erros e destrambelhamentos que se vão cometendo sob o pretexto de fazer justiça. Esses entes do estado se tornaram uma espécie de Oeste a ser conquistado por quem tiver mais bala na agulha e pontaria mais certeira. Duvido que o diretor-geral da Polícia Federal saiba o que acontece na departamento que dirige.Pois bem. A mais recente contribuição a todos os equívocos foi dada pela procuradora da República Karen Louise Jeanette Kahn, que, ontem, decidiu tornar pública uma nota — EM NOME DE TODO O MINISTÉRIO PÚBLICO — em que ataca a decisão da desembargadora Cecília Mello, critica juízes do Supremo e dá alfinetadas até na imprensa. Confesso que me impressiona menos o ato em si do que os termos em que o documento é vazado — às vezes, a lógica naufraga de modo formidável. Se sou advogado dos acusados, anexo de imediato o texto aos autos por razões que vocês verão abaixo. Farei um vemelho-e-azul.Sim, fico um tanto desconsolado. Pela simples e óbvia razão de que a iniciativa da doutora Karen torna mais distante a punição dos eventuais culpados. Ela pode não saber, mas faz exatamente o contrário do que pretende.

*Diante de prejulgamentos que surgem no noticiário da imprensa sobre a Operação Castelo de Areia, o Ministério Público Federal, como órgão responsável pelo acompanhamento das investigações e como fiscal da lei, tem o dever de consignar e comunicar à sociedade o que segue:
Karen fala mesmo em nome de todo o Ministério Público? E a quais prejulgamentos ela se refere? A imprensa só noticiou o despacho do juiz De Sanctis, que era público, e aquilo que o MP e a Justiça vazam. Cadê o “prejulgamento”? Se há prejulgamento, a vítima não é o MP...
1) O conjunto probatório constante dos autos, lamentavelmente, não foi levado, na sua integralidade, ao conhecimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por intermédio da digna Relatora do habeas corpus impetrado, e sob tais circunstâncias, decidiu liminarmente pela liberação dos diretores da Camargo Corrêa ora investigados e indiciados. O mesmo se dá com relação ao Supremo Tribunal Federal, que segundo veicula a imprensa, sem ter tido acesso aos autos, estaria, por meio de alguns de seus ministros, veiculando prejulgamentos contrários à forma de deflagração da operação;
Não entendi. O que Karen chama de “conjunto probatório”? Ela gostaria que a desembargadora passasse mais de um ano analisando documentos, a exemplo do que fez o juiz De Sanctis, que acompanhou o trabalho? Cecília Mello decidiu, como é o correto, a partir do despacho do juiz. Ou habeas corpus seria, com todo respeito, habeas tumulus. O preso, em vez do direito ao corpo (à liberdade), teria apenas direito à campa, tal seria a demora. A crítica é infundada por uma questão de fato, não de gosto. Ademais, se a decisão de De Sanctis, analisada pela desembargadora, não expressava “o conjunto probatório”, isso significa que se decidiu a prisão de pessoas sem um “conjunto probatório” eficiente??? Quanto ao mais, assim como a procuradora não representa o Ministério Público, embora assegure falar em seu nome, ministros sem nome do Supremo não representam o tribunal. A quem ela se refere? Ao presidente, Gilmar Mendes?
2) O MPF, ao formular os pedidos de prisão preventiva e temporária dos investigados, assim como os de busca e apreensão, agiu no exercício de sua estrita responsabilidade legal e social, analisando tanto o conteúdo das provas materiais já constantes dos autos - e que apontam para a efetiva prática de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro - como os pressupostos processuais legais que autorizaram as medidas constritivas adotadas pelo Juízo Federal de primeiro grau, inclusive as ordens de prisão cautelar;
Ninguém questionou a competência do Ministério Público. Nem vou entrar na defesa que a procuradora faz da decisão de De Sanctis porque, embora imprópria e desnecessária numa nota, é o esperado. Incomoda-me, acima, uma palavrinha: “SOCIAL”. O Ministério Público Federal tem responsabilidades LEGAIS. E SÓ ELAS. As suas responsabilidades SOCIAIS estão estabelecidas na lei. Qualquer coisa além disso é política.
3) Em momento nenhum, os pedidos de prisão preventiva e temporária foram utilizados para garantir a conclusão dos interrogatórios dos investigados, nem, tampouco, como antecipação de pena. Tais medidas estiveram estritamente inseridas dentro de um contexto de legalidade, encontrando-se respaldadas, inclusive, por precedentes de Tribunais Superiores - que, em circunstâncias coincidentes, com a participação de pessoas de perfis e condutas semelhantes aos dos investigados, vem, ao contrário do quanto propalado na imprensa, autorizando as prisões preventivas e temporárias nos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro;
Karen reafirma o que já está na lei. É como se a gente fizesse a declaração solene de que a Lei da Gravidade existe. Sim, existe. “Inseridas num contexto de legalidade” parece querer amaciar a seguinte expressão: “As prisões foram legais”. Instâncias superiores, no entanto, consideraram o contrário. Acontece todo dia. E o Tribunal Regional Federal, vejam só, agiu dentro da... legalidade!!!
4) Independentemente da fundamentação que tenha sido utilizada na decisão judicial de primeira instância, que decretou a prisão dos investigados e dos óbices levantados pelos seus advogados, é preciso registrar que a deflagração da Operação Castelo de Areia pela Polícia Federal, com ampla participação e respaldo por parte do Ministério Público Federal, manifestado nos contundentes, mas imprescindíveis pedidos de prisões e buscas cautelares, se constituiu numa ação responsável, pautada pelo direito e pelos critérios processuais e jurisprudenciais que norteiam decisões desse quilate, como se deu em inúmeros casos assemelhados e os quais, não obstante impugnados via recursal, jamais tiveram a sua idoneidade questionada;
A língua aqui se faz um tanto hostil, mas, de novo, há uma resposta para uma acusação que ninguém fez. O que, com efeito, não entendi no trecho acima é o que quer dizer “Independentemente da fundamentação que tenha sido utilizada...” Como assim? A desembargadora só poderia conceder ou não o habeas corpus com base na “fundamentação utilizada na decisão judicial”. Que outro documento seria lícito ela tomar como base? Karen quer perorar “independentemente da fundamentação”, mas critica a decisão de quem só pode fazer a sua escolha “com base na fundamentação”? O Brasil ainda vai morrer de concussão lógica.
5) As buscas e apreensões no âmbito da empresa Camargo Corrêa seguiram os parâmetros legais, inclusive no espaço reservado à prestação de assistência jurídica ao próprio Grupo. Em preceito algum, a Lei 11.767/2008 ressalva os escritórios de advocacia (ou departamentos jurídicos de empresas) como redutos revestidos de inviolabilidade absoluta, justamente para se evitar a blindagem intencional, por parte de pessoas físicas ou jurídicas que possam deles se utilizar para encobrir o possível cometimento de crimes. Os diretores da Camargo Corrêa investigados têm a seu dispor escritório de advocacia instalado no mesmo prédio. Sob tal justificativa, foi convocado representante da OAB ao local para acompanhar a execução das medidas - fato ignorado nas reportagens. Portanto, não pareceu ao MPF como caracterizada, sob nenhum aspecto, muito menos técnico, a ocorrência de qualquer excesso ou mesmo ilegalidade na adoção de tal medida judicial;
***Aqui ela naufraga espertacularmene. Neste item 5, as coisas realmente se complicam, e Karen opta pela linguagem universal da enrolação. A lei 11.767 está aqui. Os escritórios podem ser violados numa única situação, a saber: Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. Diz a procuradora: “Em preceito algum, a Lei 11.767/2008 ressalva os escritórios de advocacia (ou departamentos jurídicos de empresas) como redutos revestidos de inviolabilidade absoluta, justamente para se evitar a blindagem intencional, por parte de pessoas físicas ou jurídicas que possam deles se utilizar para encobrir o possível cometimento de crimes.” Não! Essa não é lei a 11.767/2008. Essa pode ter ser a Lei nº 1 de Karen. Mas ainda não foi aprovada. Fosse como ela diz, tal texto legal nem existiria. E OS ADVOGADOS SÓ ACEITARIAM AS CAUSAS DE QUEM NÃO TIVESSE PROBLEMA COM A JUSTIÇA E COM A POLÍCIA, SE É QUE ME ENTENDEM...Doutora Karen, estavam ou não presentes “os indícios de autoria e materialidade da prática de crimes por parte dos advogados etc?” Não! Então o escritório não poderia ter sido violado. No dia em que puder, acaba o direito de defesa.O agente público pode não gostar da lei e se mobilizar para mudá-la, como qualquer cidadão. Só não pode desrespeitá-la sob o pretexto de fazer justiça.
6) O envolvimento dos investigados com doações a partidos políticos não fundamentou os pedidos de prisão e de busca, baseados, essencialmente, nas já consistentes provas de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro constantes dos autos. Entretanto, a descoberta, nas buscas e apreensões, de eventuais elementos que venham indicar a suposta prática de crimes eleitorais serão, oportunamente e ao final da análise de toda a documentação apreendida, enviadas ao Ministério Público Eleitoral competente;
Bom! Então a lei será cumprida, não?
7) Por esta razão, e em defesa incondicional da legalidade e constitucionalidade que sempre norteou as ações do Ministério Público Federal, manifesto nossa inteira credibilidade na Justiça, em todos os seus níveis - inobstantes questionamentos judiciais manifestados no decorrer das investigações - ações estas que estiveram e continuarão pautadas na sua serena, legítima e independente busca pela verdade real e pelo seu integral compartilhamento com as autoridades responsáveis pela condução e eventual revisão da investigação, com vistas à sua à (SIC) detalhada e suficiente conclusão.São Paulo, 31 de março de 2009 KAREN LOUISE JEANETTE KAHN Procuradora da República
Pois é... Por que a procuradora Karen Louise Jeanette Kahn não deixou, então, que as coisas seguissem seu curso, como ela diz fazer? Ela está certa de que cumpriu o seu papel? Deveria, então, ter deixado a desembargadora Cecília Mello cumprir o dela, não é? Ou agora cabe ao Tribunal Regional Federal e ao STF, criticados por Karen, emitir também suas respectivas notas? Daqui a pouco, questões judiciais no Brasil viram um Big Brother: “Se você quer eliminar a decisão do MP, ligue para X; para eliminar a do TRF, ligue para Y...”Karen não vai concordar, eu sei. Mas fez a sua nota numa má hora. Já há gente demais querendo ser estrela do noticiário, quando deveria estar a exercer um papel apenas técnico, agindo no estrito cumprimento das leis e da Constituição. Espero que essa gente descubra a tempo que todo esse carnaval não serve para prender bandido. Ao contrário: carnavaliza-se o processo judicial e, no fim, só a Justiça dança.

Entrevista.

Karen está hiperativa. Concedeu também uma entrevista ao Estadão. E, lamento dizer, afirmou coisas que, infelizmente, subvertem o estado de direito no Brasil, a saber: “Essa questão de viés político interessa para os alvos. Eu interpreto como uma estratégia para se esquivar da investigação. Quem não deve não teme, é isso. Tem o recibo de doação? Ótimo, então apresenta o recibo. O enfoque nessa questão de suposto envolvimento de partidos políticos em recebimentos ilegais de recursos também pode representar uma tentativa de tirar da primeira instância a competência sobre o caso.” A frase “quem não deve não teme” é propria de ditaduras, onde só quem não deve costuma temer, diga-se de passagem. Isso não existe na democracia, lamento. Ademais, quem enfiou a política na jogada não foram os acusados, certo?, mas os acusadores. Quanto à questão do recibo, o que isso quer dizer? Quem acusa não precisa provar a culpa, e o acusado que prove a inocência? É assim que funciona? Por fim, há a mãe de todos os desatinos: a hipótese conspiratória".

A justiça comuno-marxista

Vocês já devem ter tomado conhecimento do caso da condenação (em 1ª instância) e conseqüente prisão de Eliana Tranchesi, sócia da Daslu (http://www.conjur.com.br/2009-mar-26/prisao-tranchesi-afronta-decisao-stf-dizem-criminalistas); prisão esta revogada, algumas horas depois, pelo STJ (v. no arquivo do blog).Vocês já devem saber também que a juíza do caso impôs pena de 94 anos de prisão à Eliana pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho e falsificação de documentos. Inclusive, a advogada de Eliana, drª. Joyce Roysen, informou que todos as penas foram aplicadas em seu grau máximo, mesmo na ausência de circunstâncias agravantes (http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx?canal=2&materia=13839)O caso é emblemático porque é mais um exemplo do atual estado de coisas da cultura brasileira, estado este que, por evidente, também se faz sentir nas instituições, Judiciário incluso.Vejamos as naturezas dos crimes imputados à Eliana: descaminho, formação de quadrilha e falsificação de documentos. Em nenhuma das hipóteses - e aqui nem mesmo no caso de formação de quadrilha - há a prática de violência física; nem a vida nem a incolumidade física e muito menos a liberdade de ninguém foram atingidas neste caso. O que temos é, no fundo no fundo, um conjunto de condutas criminosas que ferem interesses patrimoniais do Estado, i.e. a arrecadação de tributos.Eliana e os demais réus estão sendo punidos - e grandemente punidos! - pelo fato de terem violado interesses do Poder Público, em especial no que diz respeito ao erário. Em suma, Eliana vai para a cadeia porque ludibriou - ou tentou ludibriar - a Receita Federal.Então, no Brasil, qualquer pessoa que atrapalhe, obstaculize ou engane o Fisco está sujeita à penas duríssimas que, segundo as circunstâncias, podem beirar os 100 anos de prisão.Todo esse zelo da Justiça para com os interesses do Fisco mostra sua real e profunda natureza, no entanto, quando nos perguntamos sobre a proporcionalidade da reprimenda; e aqui, pergunto: alguém já presenciou no Brasil um homicida, uma pessoa que aniquila a vida de outrem, receber pena igual ou semelhante? Ou um estuprador? Ou, quem sabe, um latrocida?Vejam, p. ex., a situação do casal Nardoni: alguém realmente acredita que, nesse caso verdadeiramente bárbaro, eles receberão uma pena ao menos semelhante àquela recebida por Eliana Tranchesi? E o caso de Suzane von Richthofen? Matou os próprios pais de modo frio e brutal. A pena? 39 anos; ou seja, menos da metade daquela aplicada à Eliana que, segundo se sabe, não matou ninguém.Qualquer pessoa com dois neurônios entende, com a maior facilidade, que estamos diante de um padrão, de um modo de proceder, ou, mais precisamente, diante de uma cultura (doentia, é verdade): grande parte dos membros do Judiciário e do Ministério Público vêem a si mesmos não como juristas ou jurisconsultos - com a missão, conseqüentemente, de fazer justiça tout court, sem adjetivações -, mas sim como "justiceiros", paladinos da malfadada "justiça social". Esta, por sua vez, é apenas um chavão, um slogan marxista que implica levar toda a ideologia da "luta de classes" para dentro do direito e do sistema jurídico de uma Nação.A "justiça" do caso Eliana Tranchesi não é a justiça no sentido tradicional, no sentido clássico-cristão, pois esta é, desde Aristóteles, o senso das proporções, proporcionalidade, igualdade proporcional, igualdade geométrica. Penas duríssimas para aqueles que fraudam o fisco convivem, dentro do mesmo sistema, com penas brandas para aqueles que matam, seviciam e estupram: onde está a proporcionalidade, onde está o senso das porporções, enfim, onde está a justiça? Com esse tipo de desproporcionalidade flagrante, onde uma pessoa que matou os próprios pais, recebe pena de 39 anos; e outra pessoa, que fraudou o Fisco, recebe pena de quase 100 anos, não há ordem jurídica alguma: a racionalidade, a mínima racionalidade, que se espera do direito e das leis simplesmente desapareceu, sumiu, restando, então, apenas a força bruta do aparelho estatal que, sem a mediação da prudência da justiça, é pura opressão e tirania.Essa é a cultura a que me referi acima, qual seja, a cultura da luta de classes marxista: Eliana Tranchesi não é apenas uma ré acusada de crimes contra o Fisco; Eliana Tranchesi é uma inimiga, uma inimiga de classe; o Judiciário a vê assim, o Ministério Público a vê assim, a Polícia a vê assim e, last but not least, a grande imprensa a vê assim.A justiça brasileira, salvo raras exceções, não é mais a justiça clássica, a justiça da proporcionalidade, da igualdade geométrica, a justiça de Aristóteles, Ulpiano, Gaius, Sto. Tomás de Aquino e Mestre Graciano, não; a justiça que hoje vige no Brasil, pseudo justiça, justiça diabólica, é a "justiça social", ou seja, a justiça comuno-marxista da luta de classes; e nesta, como se sabe, os ricos devem ser punidos com rigor porque são... ricos; e os pobres devem ser absolvidos de qualquer crime porque são... pobres. Além disso, os ricos que porventura ousem ludibriar o Estado estão no pior dos mundos: serão severamente punidos porque (i) são ricos e porque (ii) passaram a perna no Estado socialista.Diante de tudo isso, porque continuar negando o óbvio? Já vivemos sob o tacão de um Estado socialista e seus juízes e promotores igualmente socialistas; a justiça transformou-se num mero pretexto para a luta de classes; Eliana Tranchesi é apenas uma vítima inerme, um exemplo cabal, de que o futuro socialista já chegou no Brasil. Quase não existem mais juízes em Berlim; ao revés, os justiceiros marxistas são legião.

domingo, 29 de março de 2009

Suposições vs. Necessidade

A Desembargadora Cecília Mello, do TRF da 3ª Região, deu uma bela lição ao colocar o decreto de prisão cautelar do caso Camargo Correia, proferido pelo juiz federal, Dr. Fausto De Sanctis, no seu devido lugar, qual seja, a lata de lixo.
A decisão é muito boa, excelente mesmo. Ressalto o seguinte trecho que acredito ser um primor de bom-senso e prudência judicial - caracteres indispensáveis de qualquer jurisconsulto digno do título: "[o] exercício do poder jurisdicional fundamenta-se na função do Estado em distribuir justiça, constituindo o processo penal o único instrumento para que isso seja legitimamente possível, há este que ser avesso a arbitrariedades, caprichos, humilhações gratuitas, prisões desnecessárias etc., sob pena do próprio Estado fomentar a desarmonia social, violando, através de operações e repressões, a própria essência da existência humana, qual seja, a liberdade, voltando-se assim, contra a sua própria razão de existir".

Segue parte da notícia do Conjur (http://www.conjur.com.br/2009-mar-28/desembargadora-critica-excesso-suposicoes-fundamentar-prisao):

"Suposições não servem para fundamentar prisão

Por Marina Ito

A desembargadora Cecilia Mello, que garantiu liberdade aos investigados na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, mostrou o que não se deve fazer ao decretar uma prisão preventiva. Ao conceder a liminar, a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região lembrou que suposições não servem para fundamentar qualquer tipo de prisão. Clique aqui para ler a decisão - parte 1 e Clique aqui para ler a decisão - parte 2 sobre a prisão preventiva.
Quatro diretores e duas secretárias da construtora Camargo Corrêa, três supostos doleiros e o suiço Kurt Paul Pickel foram acusados de crimes como remessas ilegais de dólares ao exterior e superfaturamento de obras públicas. A operação foi deflagrada na última quarta-feira (25/3).
Cecilia Mello lembrou que a prisão cautelar, seja flagrante, temporária ou preventiva, somente se justifica em caso de necessidade comprovada. “Não pode o decreto de prisão preventiva basear-se em meras conjecturas, sendo imprescindível a existência de atos inequívocos que indiquem a necessidade incontrastável da medida, o que não ocorreu”, disse em sua decisão.
Ao analisar a decisão do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que determinou as prisões e buscas e apreensões, a desembargadora afirmou que a materialidade dos supostos crimes não ficou demonstrada com clareza. “Não há um momento sequer que, em seu vasto arrazoado, a autoridade impetrada aponte com firmeza e objetividade a materialidade dos delitos”, escreveu ela. Cecilia Mello lembra que o juiz deve demonstrar, concretamente, que há “atos inequívocos indiquem a necessidade incontrastável da medida cautelar”. Segundo ela, o juiz não fez isso.
A desembargadora cita e marca inúmeros trechos da decisão em que o juiz relata o suposto esquema criminoso. Ela critica o excesso de conjecturas. “A título exemplificativo são elas: ‘teriam sido; supostas; poderia estar havendo; suposto; eventual; em tese; indícios de que supostos crimes financeiros; em tese perpetrados por alguns funcionários; algum modo; revelaria em tese; poderia guardar de alguma forma; teria sido possível vislumbrar a suposta existência de doações à margem das autoridades competentes’”, escreveu. (Clique
aqui para ler a decisão do juiz).
Se houve prudência na decisão do juiz de primeira instância ao usar tantos verbos no futuro do pretérito, na da desembargadora a preferência foi pela reflexão dos estragos que inúmeras suposições podem causar. “Destaco que a decisão atacada aponta a realização de remessas financeiras internacionais por meio de instituição financeira devidamente autorizada a funcionar no país (Unibanco), portanto sujeita à fiscalização do Banco Central do Brasil, o que pressupõe um mínimo de legalidade e lisura em suas operações”, disse.
A desembargadora continua a chamar atenção para os dados que foram divulgados recentemente. “Não é demais destacar que, da mesma forma, as contribuições para fins eleitorais têm expressa previsão na legislação pátria e, portanto, não são vedadas, devendo ter a regularidade aferida nos termos da lei. A contribuição dessa natureza não é, em princípio, ilícita, apenas adquirindo tal característica se realizada em desconformidade com os preceitos que regulam a matéria”.
Para Cecilia Mello, certos constrangimentos seriam facilmente evitados. “Caberia fazer a análise das contribuições dessa natureza a partir dos registros, públicos aduza-se, existentes nos tribunais eleitorais, antes de a elas se imputar o rótulo de ilegalidade, evitando-se, com essa simples, natural e lógica sequência investigatória, a criação de situações desnecessariamente constrangedoras para ambos os pólos envolvidos, doadores e receptores”.
A decisão tem 67 páginas. A desembargadora elencou várias decisões dos tribunais superiores e autores para fundamentar a liminar
".

Há ainda vida inteligente na Folha

De tempos em tempos, a Folha, conseguindo se livrar, ainda que momentâneamente, de sua esquerdopatia crônica, consegue elaborar bons editoriais. O de hoje é um exemplo disso, mostrando, com bastante clareza, a grave contaminação ideológica do Judiciário, em especial dos juízes federais de 1ª instância. O caso de Eliana Tranchesi é emblemático nesse sentido.



Do blog do Reinaldo Azevedo (http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/):



"Leia editorial da Folha de hoje:



Setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário acomodam-se, perigosamente, a um método de atuação sensacionalista e truculento. Disseminam escutas e monitoramentos sem o devido controle, criam uma narrativa a partir de meras inferências e deslancham a "operação", uma rede de arrasto de prisões e apreensões do que estiver no caminho.Investigados por meses sem o saber, detidos e seus advogados não têm acesso ao teor das acusações que embasaram a prisão.Mas eis que, no dia do espalhafato policial, um senador, acusado de ter recebido R$ 300 mil irregularmente de uma construtora, exibe um recibo: teria sido oficial a doação. A PF não apresentou provas que confirmassem a suspeita lançada a público.Na falta de apuração e controle competentes, vários policiais, procuradores e até juízes têm apostado na manipulação da opinião pública. Tomam um fato -a impunidade nas camadas mais altas da renda e do poder, motivo de justa indignação popular- como mote de uma cruzada para intimidar pessoas e empresas identificadas com tais "elites".As prisões que decretam passam a impressão, equivocada, de que o investigado está sendo punido. Detenções provisórias e preventivas não têm nenhuma relação com sentença ou condenação. Num processo ou num inquérito ainda indefinidos, são mecanismos incidentais cujo uso vem sendo banalizado nas esferas inferiores do Judiciário.A prisão, na fase intermediária do juízo, é reservada pela lei a pessoas que, mediante "prova da existência do crime e indício suficiente de autoria", ameacem a integridade física de outros, a "ordem econômica" e a coleta de provas ou demonstrem propensão à fuga. Fora desses casos excepcionais, a regra constitucional, reafirmada há pouco no Supremo Tribunal Federal, é que o réu responda em liberdade até serem esgotados os recursos.À luz desse parâmetro -um patrimônio das democracias, que protege o indivíduo contra arbitrariedades de agentes públicos-, não se sustenta o festival de prisões usualmente deflagrado pela PF, com o aval de juízes. Na quarta-feira, até secretárias da construtora Camargo Corrêa foram presas. Se a polícia monitorou suspeitos por mais de um ano e fez as apreensões nos locais escolhidos, qual o sentido de manter funcionários detidos?Nenhum, responderão as cortes superiores nesses casos, as quais frequentemente têm posto em liberdade pessoas cuja prisão preventiva fora decretada na primeira instância.E o que dizer, por falar em primeira instância, da condenação a 94 anos de cadeia da empresária paulista Eliana Tranchesi, sob a acusação de práticas lesivas aos cofres públicos e formação de quadrilha? Um facínora que, no Brasil, tenha sequestrado e assassinado duas pessoas não receberá pena superior a 60 anos.Quando se trata de crimes contra o erário cometidos por pessoas que não ameacem a integridade física de outros, o que importa é que o autor devolva em tempo hábil os valores subtraídos, acrescidos de multas pesadas. A reclusão, se necessária, deveria ser breve -ou substituída por prestação de serviços à comunidade.Condenar estes réus a décadas num presídio -e, sem motivo plausível, mandar encarcerá-los antes que esteja encerrado todo o circuito processual- responde a uma concepção vingativa e primitiva de Justiça".



Tudo isso me lembra a colocação do austro-americano Eric Voegelin, certamente um dos maiores filósofos do século XX: "...and if the men are corrupt and not capable of law and justice, or if they proffer some kind of ideology under justice, then, of course, one cannot have any legal order" (Hitler and the Germans, p. 221). Precisa dizer mais alguma coisa?

sexta-feira, 27 de março de 2009

STJ: prisão de Eliana Tranchesi é revogada

Finalmente um pouco de bom-senso e sanidade nessa história toda. O Ministro Og Fernandes, do STJ, acaba de conceder habeas corpus em favor de Tranchesi e outros co-réus.

Do site do STJ:

"
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes concedeu liminar para revogar a prisão preventiva do empresário Antonio Carlos Piva de Albuquerque, diretor financeiro da Daslu. A decisão é extensiva a sua irmã, Eliana Tranchesi, e aos outros cinco presos por determinação da 2ª Vara Federal Criminal de Guarulhos

Segundo Og Fernandes, os fundamentos utilizados na decretação desta prisão preventiva foram os mesmos utilizados na preventiva decretada em 2006, e que foi rejeitada pela Sexta Turma do STJ. “Assim, mesmo não tendo o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF/3) se manifestado acerca do teor da sentença, não é hipótese de supressão de instâncias”, ressaltou o ministro.

De acordo com o ministro, por força do princípio constitucional da presunção de inocência, as prisões de natureza cautelar – que antecedem o trânsito em julgado da decisão condenatória – são medidas excepcionais, que somente podem ser decretadas ou mantidas caso venham acompanhadas de efetiva fundamentação que demonstre, principalmente, a necessidade de restrição ao sagrado direito à liberdade.

No caso presente, ressaltou o ministro, quando o STJ concedeu o habeas-corpus anteriormente impetrado para revogar a prisão preventiva, pautou-se no sentido de não ser necessária a custódia cautelar do paciente. “Pelo mesmo fundamento, isto é, por não vislumbrar, nesse momento, a necessidade da custódia cautelar do ora paciente, entendo que a liminar deve ser deferida, com a consequente revogação da preventiva”.

Para o ministro, passados quase três anos desde a revogação da custódia anterior, em 2006, a única alteração relevante no cenário jurídico foi a demora da sentença condenatória. “Entretanto ela está sujeita à revisão, tanto por meio de recurso de apelação quanto pelo manejo de recurso especial e extraordinário”, destacou, acrescentando que, em liberdade durante todo esse tempo, o paciente não prejudicou a correta instrução criminal e compareceu em todos os atos processuais.

Og Fernandes também reiterou que a juíza reconheceu ser o paciente primário, portador de bons antecedentes, possuidor de emprego fixo e residência certa. Para ele, tais fatores, embora isoladamente não garantam ao acusado responder em liberdade, militam a seu favor. “Por fim, considerando que, na sentença, não se particularizou concretamente razões que justificassem tratamento diferenciado aos correús, entendo que devam os efeitos da liminar ser também a eles estendidos”, concluiu o ministro. Foram beneficiados com a decisão os corréus Celso de Lima, André de Moura Beukers, Christian Pólo Roberto Fakhouri Júnior e Rodrigo Nardy Figueiredo.

Pedido

No pedido de habeas-corpus, a defesa sustentou que a ilegalidade dos mandados de prisão expedidos é flagrante, tendo em vista o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade de execução provisória de sentença penal restritiva de liberdade.

Argumentou, ainda, ser assegurado a qualquer réu o direito de recorrer em liberdade, a não ser que haja motivos para a decretação da prisão cautelar – garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de assegurar a ação penal. Segundo a defesa, nenhum desses requisitos está configurado em relação ao paciente, que respondeu ao processo em liberdade, jamais obstou o trabalho da Justiça e do Ministério Público, e nunca se ausentou do país após a instauração do inquérito criminal".

Parece que ainda existem juízes em Berlim.

FSSPX: especulando sobre a melhor solução jurídica

Uma coisa deve ficar clara de antemão: não sou especialista em direito canônico, não sou canonista; dito isso, confesso aqui minha grande admiração pela tradição canônica, especialmente até o advento do primeiro Código de Direito Canônico de 1917, promulgado por S. S. Papa Bento XV. A razão de eu estabelecer esse marco para minha admiração é que a codificação, ocorra ela no direito canônico ou comum, é nada mais nada menos do que um projeto racionalista-cartesiano.
Vou explicar isso melhor. Você somente empreende uma codificação se acredita piamente que esse documento, elaborado de forma sistemática, lógica, dedutiva, irá abranger ou conter, tal como numa garrafa, todo o direito vigente, canônico ou comum. Isso se deu justamente com o afamado Código Civil de Napoleão: a pretensão do Code era a de conter e abranger, de maneira lógica, racional e sistemática, todo o direito comum francês; o Code expunha, de modo inteligível, todo o direito francês até então espalhado, caoticamente, numa selva infindável de leis, decretos, rescritos, bulas, ordens, decisões etc.
Dentre outras conseqüências, uma das mais importantes é a de que a codificação implica a assunção - ou o abandono, dependendo do ponto de vista - de uma determinada filosofia referente às fontes do direito. À pergunta "qual a origem ou fonte do direito?" responde-se, sob a ótica da codificação, em uníssono: a lei estatal, ou seja, os textos com força legal editados pelo Governo central. Tradicionalmente, antes do advento do zeitgeist racionalista-cartesiano da codificação, a resposta seria deveras outra: a natureza (entendida aqui em sentido aristotélico, fique bem claro).
O direito fundado na natureza é confuso, ambíguo, muitas vezes obscuro; no entanto, é flexível, dúctil e capaz de dar as melhores soluções para os casos mais intrincados, complexos e inusitados, além de evitar, por sua própria estrutura, a concetração excessiva de poder. Por sua vez, o direito legalista-racionalista é mais claro, objetivo e seguro (e, diga-se, nesse ponto da história, nem essas qualidades o direito cartesiano consegue entregar mais); no entanto, é inflexível e muito pouco adaptável, não conseguindo formular boas e justas soluções para os chamados "hard cases" (e daí a constante necessidade da intervenção dos juízes nas leis para refazer ou continuar o trabalho do legislador), além de propiciar uma formidável e inédita concentração de poder nas mãos do Governante da hora.
Na minha modesta opinião de não-especialista, a Igreja, ao embarcar na onda da codificação, abandonou, injustificadamente, uma venerável tradição milenar de direito canônico fundado na natureza das coisas, tradição esta que evocava as melhores contribuições intelectuais da Igreja: uma filosofia e visão realista da existência e da realidade em oposição a todos os idealismos. A Igreja dobrou-se, pelo menos no que se refere ao direito, ao idealismo cartesiano, deixando de lado o realismo sadio da escolástica (Sto. Tomás) e, como conseqüência, o realismo do direito canônico tradicional.
(continua)...